sexta-feira, 19 de junho de 2015

Argentina reeduca homens violentos para coibir agressões a mulheres

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Na tentativa de evitar a reincidência de casos de violência contra mulheres, alguns hospitais públicos e ONGs da Argentina têm colocado em prática programas educativos para homens que já agrediram suas namoradas ou esposas.
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Por Marcia Carmo, do BBC
 
Programas do tipo são previstos em uma lei argentina de 2009, mas esta ainda não foi completamente regulamentada. Mesmo assim, com orçamento limitado, especialistas têm trabalhado na prevenção por iniciativa própria.
 
Em Buenos Aires, a reeducação dos homens violentos é feita, por exemplo, no Hospital Geral de Agudos Teodoro Alvarez, um dos maiores da cidade, e na ONG Pablo Besson.
 
“A violência se aprende e, com a reeducação, é possível desconstruí-la”, diz a psicóloga social da ONG, Malena Manzato, à BBC Brasil.
 
Ela trabalhou com mulheres vítimas de violência masculina durante quase 30 anos. Há seis, dedica-se à reeducação dos agressores.
 
“A violência não pode ser justificada, mas a maioria deles (os homens) sofreu agressões brutais na infância e, em muitos casos, foram vítimas de abusos sexuais. Aqueles que querem conseguem se reeducar”, afirma Manzato.

Diferentes contextos

O psicólogo Aníbal Muzzin realiza o mesmo trabalho no hospital Teodoro Alvarez e diz que, ali, o curso gratuito consiste em encontros semanais de grupos de homens violentos de diferentes contextos sociais.
 
“O grupo é heterogêneo e inclui desde pessoas que vivem nas ruas a advogados, pedreiros, executivos, fazendeiros e engenheiros”, explica Muzzin.
 
Segundo ele, desde que passou a fazer parte da equipe que realiza esse trabalho, há cinco anos, não teve conhecimento de casos de reincidência.
 
Muzzin explica que o curso oferece uma assistência ao agressor para que ele “compreenda o dano feito à mulher” e “desaprenda a educação patriarcal que recebeu em casa, na escola, nos anúncios que mostram a mulher como objeto, na sociedade”.
 
Os homens são estimulados a compartilhar suas histórias de vida e de como foram influenciados a serem violentos. Os encontros no hospital incluem filmes, música e poesias, além do atendimento por psicólogos, assistentes sociais e advogados para tentar “transformar” esses indivíduos.
 
“Evidenciamos o machismo e o patriarcado na nossa cultura para buscar a construção de novas formas de relacionamento entre esses homens e uma mulher, sem violência”, diz Muzzin.
 
“Eles estão acostumados a obter o que querem por meio da violência, fazendo as mulheres obedecerem por medo. Mas eles não são monstros. Não atendemos quem é psicopata ou demonstra ser frio ou calculista”, afirmou o especialista.
 
‘Nem uma a menos’
 
Mural montado durante manifestação mostra vítimas de violência
Mural montado durante manifestação mostra vítimas de violência
 
A violência contra a mulher ganhou destaque recente na Argentina com a campanha #NiUnaMenos (Nem uma a menos), organizada por um grupo de jornalistas que contabilizou entre 2007 e 2014, a partir de reportagens na imprensa, mais de 1,8 mil casos de assassinatos de mulheres por homens violentos no país.
 
Não há estatísticas oficiais, mas a ONG Casa del Encuentro calcula que uma mulher seja morta por esse tipo de violência no país a cada 30 horas.
 
Uma manifestação em torno do tema reuniu 150 mil pessoas em Buenos Aires no início do mês. Na praça em frente ao Congresso Nacional, vítimas e familiares contaram seus dramas pessoais.
 
Hoje divorciada do marido que a agredia, uma mulher disse a uma emissora local que ele “agora se arrepende e parece ser um bom marido da segunda esposa, além de ser um bom pai”. “Acho que agressores podem ser curados”, afirmou.
 
Questionamentos
 
Mas nem todos apoiam os projetos de reeducação de homens violentos. Um grupo de transexuais disse à BBC Brasil se opor aos tratamentos – para elas, que afirmam também terem sido vítimas de abusos masculinos, “a única saída é a Justiça”.
 
A iniciativa também sofre questionamentos por parte de ONGs dedicadas à questão da violência de gênero.
 
“Se o homem tomasse a iniciativa de procurar o tratamento por conta própria, talvez pudéssemos ter mais certeza de que a medida é efetiva. Mas, em muitos casos, eles são reeducados por ordem judicial”, diz Ada Rico, presidente da Casa del Encuentro.
 
A presidente da ONG Fundação para o Estudo e Investigação sobre a Mulher, Mabel Bianco, foi uma das assessoras na elaboração da lei de 2009, mas também tem dúvidas sobre a eficácia de tratamentos para homens violentos.
 
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“Ainda existem muitas incertezas sobre os possíveis resultados, e achamos que devemos focar em outros temas urgentes”, diz Bianco.
 
As duas acreditam que a Argentina primeiro tem se preocupar em colher estatísticas oficiais sobre agressão a mulheres, hoje inexistentes, e padronizar a assistência a vítimas nos hospitais e delegacias, além de criar formas de auxílio àquelas que não têm recursos para uma disputa judicial com o agressor.
 
O psicólogo Aníbal Muzzin concorda que as estatísticas “são importantes” para que sejam definidas as medidas necessárias ao combate a essas agressões, bem como o orçamento necessário para implementá-las.
 
Os especialistas ainda convergem quanto à necessidade de que o assunto seja debatido nas escolas. “A lei prevê a capacitação de professores para que eles evitem que o machismo continue sendo uma regra desde a infância”, afirma Rico.

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