segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sobre o livro "Prostituição e outras formas de amor"


Dizem que é a profissão mais antiga do mundo. Para a antropóloga Soraya Silveira Simões, a prostituição é objeto de pesquisa há 15 anos. Para fugir a simplificações grosseiras e suposições infundadas, ela ouviu um sem-número de mulheres da vida e, ao lado de Hélio Silva e Aparecida Fonseca Moraes, reuniu artigos que abordam os mais diversos aspectos dessa chamada vida fácil no livro Prostituição e outras formas de amor. “Queríamos abordar essa troca econômico-sexual sem vieses estigmatizantes”, concordam os três organizadores.
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Por Vilma Homero

Para abarcar a abrangência dos vários aspectos do tema, o livro, lançado pela editora da Universidade Federal Fluminense (UFF), com recursos do Auxílio à Editoração (APQ 3), reúne, em 550 páginas, artigos de 22 pesquisadores, fruto dos grupos de trabalho organizados nas reuniões brasileiras de antropologia (RBA) e no Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. O título, que associa prostituição a uma forma de amor, já é provocativo. “O que seria esse valor a que chamamos amor, pensado como qualidade apenas de certas relações e frequentador apenas de certos ambientes? Por amor ou em nome dele, sacrificamos algo que nos é caro. Seja em nome de quem ou do que, algo que é feito por amor é sempre um prazer ou um sacrifício”, sugere Soraya. A prostituição, por sinal, já havia sido tema de sua dissertação de mestrado, defendida em 2003, e rendido um livro anterior, Vila Mimosa – Etnografia de uma cidade cenográfica da prostituição carioca, publicado em 2010 também pela editora da UFF, sobre o conhecido reduto de prostituição no Centro do Rio de Janeiro.
 
Ao se conhecerem pessoalmente em um congresso de antropologia, Soraya e Aparecida – que também já havia publicado um livro sobre a Vila Mimosa – resolveram unir forças, já que pesquisavam sobre o mesmo tema, e se juntaram a Hélio Silva, autor de Travesti: a invenção do feminino (Relume Dumará, Iser, 1993), para organizar um trabalho comum.  No livro, Aparecida assina o artigo “Corpos normalizados, corpos degradados: os direitos humanos e as classificações sobre a prostituição de adultas e jovens”, mostrando como, nas duas últimas décadas, as instituições de defesa dos direitos humanos passaram a normalizar a sexualidade das prostitutas mais velhas, adultas, percebidas como profissionais, agravando, ao mesmo tempo, a atribuição de desvio e degradação das mais jovens, quase sempre consideradas em situação de exploração sexual comercial. “Não é bem assim que as coisas acontecem.”
 
Ela mostra que, ao contrário do que pensa o senso comum, que costuma ver a profissional do sexo como uma vítima da ação de exploradores, muitas delas escolheram a ocupação por opção. “Queríamos abrir essa perspectiva. Mostrar que muitas delas resistem ao controle de gerentes e donos de clubes, impõem limites aos abusos, controlam o assédio sexual e, em vez de objetos, são sujeitos ativos em relação a seus clientes, criando espaço para exprimir e realizar sua própria sexualidade e desejos.”
 
Nas muitas histórias ouvidas por Soraya e por outros pesquisadores nesse extenso trabalho de campo, há desde as mulheres que batalham a vida nos garimpos do Norte do País àquelas que transitam pelas diversas fronteiras da Europa no trabalho do sexo, passando pela prostituição nas saunas masculinas; pelas tentativas de segregação urbana da atividade e por vários outros aspectos do exercício da profissão.
 
Mas mesmo na prostituição, há espaço também para situações de afeto. “Das interações face a face entre profissionais e clientes, podem nascer sentimentos para além das relações comerciais. Várias delas falam, por exemplo, de clientes com os quais se relacionam há mais de 20, 30 anos, sem os constrangimentos de uma relação conjugal dita estável, e muitas vezes em um laço bem mais duradouro do que muito casamento”, fala.
 
Da mesma forma que para várias outras categorias profissionais e movimentos sociais, elas também querem ver a categoria reconhecida e com direitos assegurados. A força mais visível desse movimento foi Gabriela Leite, que, para quem não sabe, foi a primeira prostituta a candidatar-se ao cargo de deputada federal no País e tema do documentário Um Beijo para Gabriela, da antropóloga Laura Murray. Depois de sua morte, em 2013, o movimento continuou firme, embora não de forma tão visível para um público mais amplo. “Além disso, o momento político atual no Brasil tem se configurado como o grande obstáculo para a reivindicação e produção de direitos, esperada em regimes democráticos. As bancadas religiosas no Congresso têm dificultado ou mesmo impedido o debate de pautas mais progressistas, sobretudo as que dizem respeito ao exercício da prostituição e seus direitos, como o projeto proposto pelo deputado Jean Wyllys”, comenta Soraya.
 
Como avalia a autora, desde o episódio da violenta ação policial na Boca do Lixo paulista, em 1979, as coisas melhoraram um pouco, mas ainda há muito a ser feito. “Quando se afirma de maneira autônoma, sobretudo com relação à sua vida profissional e sexual, toda mulher está passível de sofrer o estigma da puta, mesmo não sendo prostituta. A vida pública e sexualizada de uma mulher é campo fértil e potencial para a atualização desse estigma”, conclui Soraya.

Fonte: http://www.faperj.br/

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