quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

“Carnaval de Juazeiro: o poeta diz… ‘toma soco’, mulherada”, por Sibelle Fonseca

Mulher agredida em show de “O Poeta” em Pojuca-BA/outubro de 2019 (arquivo)

Um dos blocos a desfilar no circuito “Ivete Sangalo”, o oficial do Carnaval de Juazeiro 2020, na noite de sexta feira (7), primeiro dia de festa, será o “Respeite As Minas”, que faz um alerta às práticas de violência contra as mulheres, tão comuns em festas populares, e combate o assédio sexual e a desqualificação da mulher.
Um apelo louvável, mas de uma contradição sem igual, considerando o carnaval da minha cidade. No mesmo circuito, após o cortejo do bloco que pede respeito às mulheres, a atração de um bloco particular traz em seu trio um sujeito conhecido como “O Poeta”, que gritará um repertório machista, sexista, violento, pornográfico, com coisas do tipo:
“Só porque tu é feinha pensa que eu não meto vara
Mulher tu tá enganada, mulher tu tá enganada, bebê
Vem com o poeta que comigo é sem cutcharra
Saco de pão na cara, saco de pão na cara
Saco de pão na cara, aí droga”.

Que droga de poeta! Que droga de atração que será paga por mulheres, novinhas e todas as idades, e homens (filhos, pais e irmãos de mulheres) que correrão atrás do trio de um “cantor” que violenta as minas, sem pudor, sem freio, e em uma festa bancada com recursos públicos.

Sim, uma festa pública! E não venham me dizer que a atração é de um bloco particular e a gestão nada tem a ver com isso. Indiretamente, tem sim! Tem recurso público investido no carnaval de Juazeiro. Dinheiro que sai do meu bolso de contribuinte, do seu bolso, munícipe. Na publicidade da festa (que consta o nome desta atração infeliz) tem dinheiro público; na iluminação da avenida que “o poeta” desfilará também tem dinheiro nosso; na diária dos policiais e demais agentes públicos que trabalharão para a segurança e bem estar dos foliões que assistirão ao show bizarro, de mensagens que achincalham a mulher, tem dinheiro público. Da ornamentação da festa, as “camisinhas” que serão distribuídas, tem dinheiro do povo.

Não, não me venham falar em censura, pelo amor do guarda! Liberdade de expressão para fazer apologia à violência contra as mulheres e enaltecer ladrão que deixa a mulher careca?
“Maloqueira é destemida fechamento com o ladrão. Tá sempre lado a lado, é pura disposição. Tu tá chegando agora já quer bancar de esperta
Não guenta ver o playboy que tu já quer dar a pepeca. Ou mulher, oh! Tu fica esperta. Se trair o ladrão, tu vai ficar careca. Vai ficar careca, vai ficar careca. Se trair o ladrão, tu vai ficar careca. Chaque, chaque chaque. Tá ligado que a tesoura bate”, diz outra “letra”.

Querem mais baixaria? Pois tomem, tomem:
“Fodão é o caralho
Preste atenção no que eu vou lhe dizer
Hoje tu goza pelo telefone
Segue o passo a passo que eu dou pra você
Primeiro, vai tirando a roupa
Imagine eu te beijando
Mordendo o teu pescoço
Os teus seios vou mamando
Passando a minha língua da barriga pra virilha
Chupando a tua pepeca aumentando tua adrenalina
Vou subindo te linguando toda
Chego no ouvido e te faço a proposta
O que você tem pra me oferecer?
Deixa eu botar sua gostosa, deixa deixa
Deixa eu botar sua gostosa”.

E tomem, e tomem mais. Tomem soco na cara!
“Já tomou murrinho, gostou
Pediu de novo
Já tomou murrinho, gostou
Pediu de novo
Falou pra sua amiga que o Poeta fez gostoso
Contou pras amiguinhas que o Poeta é o mais gostoso

Oh, sua amiga, tá me pedindo pouco
Sua amiguinha também tá querendo pouco
Toma soco
Toma soco
Toma toma
Toma soco”

As músicas do Igor Kannário, alvo de um ofício enviado por três conselhos municipais à coordenação do carnaval e ao gestor municipal, com pedido de cancelamento por fazer apologia à violência, são “canções de ninar” diante de tamanha brutalidade e baixaria executada pelo tal ” o poeta” (que bem me parece um transtornado sexual, que necessita urgente de tratamento psiquiátrico).
E por falar em baixaria, como o Ministério Público interpreta a Lei Municipal n° 2.707/2017, mais conhecida como Lei Antibaixaria? A lei que veda a contratação de artistas com “músicas, danças ou coreografias” que incentivem a violência, utilizando dinheiro público para efetuar o pagamento dos cachês?
O “Principe do Gueto” (que reside no luxuoso Condomínio Alphaville), vai gritar lá de cima que “Quando eu era moleque, Eu andava na rua imbecado. Usava uma Kenner e um cap. Andava desacreditado, agora não sou mais moleque. Vou botar o bagulho pra virar. Vou botar pra acreditar. Eles me comediaram. É um monte de otário! Uh! uh! uh! uh! uh! Uh! uh! uh! uh! Uh! Eu vou pegar os caras!Eles não são de nada! O Kannário, vai pegar os caras!”
Esses versos tão incitantes, podem inspirar uma bagaceira na avenida. A Polícia que se cuide, e as “galeras” também.
Também, muitíssimo bem pago, e com recurso público, será o “gigante” Léo Santana, que também tem um repertório deplorável. Pela lei, ele seria multado em 50% do valor total do cachê, se cantar:
“Com a garrafa de whisky a santinha (desce) Com a garrafa de tequila, a santinha (desce)
Se acabou a bebida a santinha (para)
Abastece que ela desce
De-desce, de-desce, desce.
De-desce, de-desce, desce
De-desce, de-desce, desce”.

Quem fiscalizará o gigante e os demais que vão mandar as novinhas encherem a cara e descerem, entre outras coisitas mais?
Não me venham falar também em caretice. É a minha condição de mulher que está sendo atacada. E a de minhas filhas, das minhas amigas e suas filhas também, das mulheres pelas quais eu tenho dedicado a vida no combate à objetificação, ao desrespeito, à violência cotidiana que sofremos.
Fico pensando… Será que o machismo está vencendo? O bloco que contratou “o poeta” nos informou que colocará cerca de 1.500 foliões na avenida, e cada um paga pelo abadá, 60 reais. Milhares de foliões assistirão ao “espetáculo” de espancamento moral à mulher, e também, indiretamente, irão pagar por isso. Uns dançando, outras descendo até o chão e lá deixando a dignidade humana, outros repetindo o refrão “Toma soco, toma soco”.
Toma soco, mulherada!
E eu, com um fiozinho de voz, repito: Respeitem as Minas!

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, conselheira da mulher, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente
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