A
venezuelana Maria (nome fictício) tem 19 anos e se prostitui na Colômbia
Como as
portas dos bares estão abertas, a música que vem de dentro chega às meninas que
estão sentadas em cadeiras de plástico na calçada esperando clientes, algumas
delas com bebês nos braços.
É cedo na
área de prostituição de Saravena, no departamento colombiano de Arauca. Como os
clientes ainda não chegaram, é um bom momento para conversar com Paola*.
A jovem
tem 22 anos e chegou há seis meses, mas prefere não dizer de que parte da
Venezuela - sua família, seus amigos e vizinhos não sabem ela que está
trabalhando nisso -, onde era caixa em uma loja.
A
inflação galopante em seu país, que o Fundo Monetário Internacional estima em
500% para 2016, foi um fator que levou a essa decisão.
"Uma
amiga que está aqui me contou, me disse como era tudo", afirmou. "Vi
que não era tão fácil, mas fiz um teste e, bom, estou aqui."
"Se
alguém faz uma madrugada - sair com um cliente durante a noite e chegar no dia
seguinte -, o máximo que podem pagar é 200 mil pesos colombianos (R$ 212). E
pronto, já consegui o salário mínimo da Venezuela", explica Paola.
Na
verdade, isso é equivalente a mais de cinco salários mínimos venezuelanos na
taxa de câmbio não oficial (todos os valores nesta reportagem correspondem aos
números de dezembro de 2016).
Em um
mês, é possível ganhar 1,2 milhão de pesos, mais de 30 salários mínimos na
Venezuela.
200 mulheres
Um ano
atrás a maioria das trabalhadoras do sexo deste lugar era colombiana (a
prostituição não é ilegal no país), mas desde então sobraram apenas três ou
quatro mulheres locais nos oito bares na área, segundo relatos de funcionários.
A grande
maioria, 200 (de acordo com as mulheres do bar), é de venezuelanas que cruzaram
a Colômbia com o objetivo de melhorar sua renda e compensar a perda de poder de
compra sofrida em seu país.
São 200
mulheres em apenas alguns quarteirões de uma cidade de fronteira, onde vivem
menos de 50 mil pessoas.
Aproximadamente
6,5 mil mulheres venezuelanas chegaram à Colômbia no último ano para trabalhar
na prostituição, diz Fidelia Suarez, coordenadora nacional da Associação de
Mulheres em Busca de Liberdade (Asmubuli, na sigla em espanhol), uma
organização dedicada à defesa dos direitos humanos e de trabalho das
profissionais do sexo.
Suarez
estima que antes havia cerca de 1,2 mil venezuelanas vivendo da prostituição no
país.
Sua
associação é responsável por fornecer apoio a essas mulheres. Nos casos das imigrantes,
geralmente as encaminha à Acnur (a agência da ONU para refugiados).
"Mamãe, vem logo"
Toda
segunda-feira, ou quase todas, Paola envia dinheiro para sua mãe na Venezuela -
ela ficou com sua filha de quatro anos.
Paola não
quis trazer a menina para evitar deixá-la sob os cuidados de desconhecidos
quando fosse trabalhar.
É
difícil, murmura com cara triste, tê-la longe. Para a criança também é, conta.
"(A afeta) muito, muito. Ela sempre me diz: 'Mamãe, vem logo'. Me diz:
'Deixa o trabalho e vem."
A família
acha que a jovem trabalha como garçonete.
"Eu
sabia que viria para isso, mas não sabia que era assim, tão complicado. Não
posso reclamar, há pessoas que são boas, homens que são muito cavalheiros, que
apesar de você estar aqui não te julgam, não te maltratam. Às vezes você acaba
não fazendo nada. Mas há outros que são piores."
"Minha primeira vez foi
horrível"
No bar
onde está Paola também trabalha Maria*.
Ela diz
ter 19 anos. Veio para Saravena antes da colega e visitou outras áreas de
fronteira antes de decidir que este povoado era melhor: a partir daqui é mais
fácil ir para a Venezuela - basta cruzar o rio Arauca por Puerto Contreras, a
meia hora de carro, sem passar por qualquer posto de imigração.
Como a
maioria das mulheres que estão aqui, ela diz que deixou seu país para ajudar a
família. Sem filhos, envia dinheiro para a mãe, a única a saber o que a filha
faz na Colômbia: "Um tempo atrás era doloroso para ela, mas já não se mete
mais nisso".
Maria
chegou aqui sem muita clareza do que deveria ser feito. "Eu não imaginava
nada, não sabia muito bem", conta.
"A
minha primeira vez foi horrível. Doeu muito, eu nunca tinha feito isso."
Ficou
três dias sem trabalhar.
"Fazer
isso não é fácil", diz. "Talvez todo mundo diga que se ganha dinheiro
fácil, mas não... Você tem que ir para a cama com pessoas mais velhas, às vezes
vêm bêbados."
Há
clientes que querem pagar menos do que ela cobra: 25 mil pesos (R$ 26), em vez
de 40 mil pesos (R$ 42).
Outras
venezuelanas aceitam valores mais baixos, o que causou revolta entre as
trabalhadoras do sexo colombianas - quando ainda havia muitas colombianas por
ali.
"As
que eram mais espertas, mais atentas, pediam 25 mil pesos (R$ 26)", diz
Maria. "As colombianas começaram a dizer que a praça estava prejudicada
porque havia muitas venezuelanas, que elas já não podiam cobrar o que
normalmente cobravam."
Em
algumas partes da Colômbia, as mulheres ganham 50 mil pesos (R$ 42) por um
programa, enquanto aqui a média agora é de 30 mil (R$ 33).
Voltar ou ficar?
Algumas
das mulheres que chegam da Venezuela permanecem na Colômbia. Mas muitas
retornam por causa da família, enquanto outras passam alguns meses deste lado
da fronteira, juntam dinheiro e voltam, fazendo o caminho inverso quando querem
voltar a guardar recursos.
Paola,
por exemplo, quer voltar para a Venezuela.
"É
pela minha filha, pela minha mãe, pela minha família. E porque obviamente estou
cansada disso."
Ela então
pondera um momento, como se estivesse fazendo as contas, e acrescenta:
"Mas não posso dizer que não vou voltar (para Saravena), porque não sei.
Se conseguir algo melhor, não volto."
Valeu a
pena a decisão de ir para a Colômbia e se prostituir?
"Mais
ou menos. Sim, um pouco."
Diferentemente
de Paola, Maria afirma querer ficar na Colômbia.
Mas ela
também quer mudar de emprego: "Faz um ano que estou tentando sair
disso".
Não há nenhum controle de fronteira do lado colombiano na área de Saravena
A desvalorização da moeda e a inflação na Venezuela torna atrativo trabalhar na Colômbia
*Os nomes são fictícios para preservar a identidade das entrevistadas.
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