Anna Lícia Brito¹
Falar
sobre prostituição representa sempre um grande desafio, especialmente em países
onde o conservadorismo esteve sempre às portas de toda estrutura social e
política, a exemplo do Brasil. Na atualidade, com a ascensão do neoconservadorismo
em boa parte do mundo, aumenta-se a complexidade de debater essa temática,
ainda mais sob a ótica dos direitos.
O
trabalho sexual, apesar de sua presença consistente na sociedade por toda a
história, desperta as mais variadas opiniões, estando ligado, na maioria das
vezes, àquilo que é imoral e promíscuo. O olhar julgador e punitivo parte desde
o cidadão comum, até as instituições, que estão incorporadas dentro do sistema patriarcal.
A falta de informações sobre os motivos que levam uma gama de mulheres, em sua
maioria, e homens ao exercício da prostituição e a consideração do senso comum, reforçam o estigma e tornam a vida dessas pessoas cada vez
mais difícil.
No
Brasil a prostituição não é considerada um crime, conforme estabelece o código
penal de 1940, assumindo dentro do ordenamento jurídico o perfil de país
abolicionista, ou seja, o ato de exercer a prostituição não e criminalizado. Em contrapartida, aqueles que facilitam ou a
favorecem, a exemplo dos cafetões ou donos de bordeis, devem ser punidos
criminalmente. Na prática, muitas
mulheres são tomadas como delituosas; muitas vezes cerceadas em seus espaços de
trabalho, como se estivessem infringindo leis. Quando não autuadas
repressivamente, são invisibilizadas pela segurança pública e outras políticas
de Estado.
Há
cerca de 30 anos, profissionais do sexo se mobilizam em busca de direitos no
Brasil. A organização começa pelo direito a segurança e a não repressão
policial, além dos direitos básicos de cidadania, e avança para tentativas de
regulamentação profissional, tendo como figura emblemática Gabriela Leite, pioneira na organização dos movimentos de prostitutas pelo país.
O
ativismo ganhou força e representações ao longo dos anos, contando hoje com algumas
vertentes, entre elas o “Putafeminismo”.
O putafeminismo pode ser descrito, basicamente, como um movimento
que nasce a partir da ideia de que nós, mulheres trabalhadoras sexuais, podemos
também ser feministas, combatendo o estigma sobre nós e fortalecendo a luta por
direitos, sem que para isso precisemos abrir mão de nosso trabalho ou nos
envergonhar dele. (Prada, 2018, P. 37).
É importante observar que não há unidade dentro do próprio
movimento de profissionais do sexo em apoio à causa da regulamentação, bem como, não há também homogeneidade no movimento feminista. Enquanto alguns grupos são
favoráveis às mudanças no estatuto legal da profissão, outras trabalhadoras
sexuais, apoiadas pelo feminismo radical, a exemplo da Marcha Mundial das
Mulheres, se colocam veemente contra a regulamentação, ancoradas na ideia de
que em qualquer que seja a circunstância a prostituição se configura como uma
forma de violência e exploração do corpo da mulher.
Em
2002 o Ministério do trabalho reconheceu através lista da Classificação
Brasileira de ocupações – CBO, as/os “profissionais do sexo” sob a seguinte
descrição sumária:
“Buscam programas sexuais; atendem e acompanham
clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades
são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades
da profissão.”
A inserção do trabalho sexual na CBO representou um avanço e
aparentou ser a abertura para a conquista de legislações específicas para a
categoria. Entretanto, pouco ou nada progrediu desde então, uma vez que o 4º
projeto de lei que trata sobre a temática, do ano de 2012, de autoria do então
Deputado Federal pelo PSOL, Jean Willis, construído com o apoio de Gabriela
Leite e outras representações, encontra-se arquivado como os anteriores e sem
perspectivas de debates na câmara.
Em meio à desassistência e apatia do poder público,
organizações da sociedade civil, a exemplo dos projetos da Rede Oblata², tomam
para si a responsabilidade de olhar para essa população, dando-lhes
visibilidade e possibilitando-lhes o direito a existir no campo da
cidadania.
Dentre as unidades Oblatas no Brasil, destacamos a Pastoral
da Mulher. A Instituição atua há 41 anos com mulheres que exercem a
prostituição, em situação de pobreza e/ou vulnerabilidades sociais, na cidade
de Juazeiro/BA. Suas ações objetivam a construção de um processo crítico e reflexivo junto ao público assistido, com
vistas a possibilitar o seu empoderamento para o enfrentamento das violações de
direitos vivenciadas em seus cotidianos de "batalha" na atividade prostitucional
ou perante a condição de ser mulher.
Além do trabalho socioeducativo, a Pastoral também luta por
Justiça Social através da articulação com órgãos públicos e não governamentais,
buscando o enfrentamento do estigma social, que muitas vezes impede o acesso
das prostitutas a direitos.
As mulheres assistidas pela instituição se caracterizam pela
condição de pobreza, baixa escolaridade e consequentemente o pouco acesso aos
direitos básicos de cidadania. Questões referentes à organização e luta por
direto trabalhistas não são frequentemente levantadas pelas mesmas, que em sua
maioria não reconhecem o trabalho sexual como uma profissão, mas como a única
opção viável para o suprimento das necessidades básicas diante da ausência do
estado.
Muito embora tenham sido galgados alguns avanços ao longo dos
últimos anos em relação a prostituição, a exemplo da inserção enquanto
profissão liberal na CBO; sobretudo frente aos debates de combate a opressão
feminina e a desigualdade de gênero, o Estado ainda se mostra muito negligente
com essa temática, tanto no campo legislativo, como na oferta de políticas
públicas que apontem alternativas para aquelas que não desejam permanecer na
atividade. Dentro dessa conjuntura, nós que fazemos a Rede Oblata continuamos
comprometidas com a acolhida e a oferta de atendimento especializado às
assistidas, enxergando-as enquanto sujeitos de diretos e corroborando para a
melhoria da qualidade de suas vidas.
Notas:
1 – Graduada em Serviço Social pelo Centro universitário
Unileão; atua como Assistente Social na Pastoral da Mulher – Unidade Oblata em Juazeiro/BA.
2 – Rede Oblata é
a organização dos projetos sociais do Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo
Redentor no Brasil, que desenvolvem um
trabalho social com mulheres que exercem a prostituição. Os projetos
estão situados nas cidades de São Paulo-
SP (Projeto Antônia), Belo Horizonte -MG (Diálogos pela Liberdade), Salvador-
BA (Força Feminina) e Juazeiro-BA (Pastoral da Mulher)
Referências:
PRADA,
Monique. Putafeminista. São Paulo:
Veneta, 2018.
Proposta pedagógica de acompanhamento às
mulheres em Situação de Prostituição – São
Paulo: Editora Nelpa, 2013.
Este post/artigo foi publicado em caráter de informação e pesquisa, e não representa totalmente o pensamento ou expressões usadas pelo Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil. Entendemos que é um conhecimento importante para uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista.
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