quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Prostituição e Direitos


Anna Lícia Brito¹



Falar sobre prostituição representa sempre um grande desafio, especialmente em países onde o conservadorismo esteve sempre às portas de toda estrutura social e política, a exemplo do Brasil. Na atualidade, com a ascensão do neoconservadorismo em boa parte do mundo, aumenta-se a complexidade de debater essa temática, ainda mais sob a ótica dos direitos.

O trabalho sexual, apesar de sua presença consistente na sociedade por toda a história, desperta as mais variadas opiniões, estando ligado, na maioria das vezes, àquilo que é imoral e promíscuo. O olhar julgador e punitivo parte desde o cidadão comum, até as instituições, que estão incorporadas dentro do sistema patriarcal. A falta de informações sobre os motivos que levam uma gama de mulheres, em sua maioria, e homens ao exercício da prostituição e a consideração do senso comum, reforçam o estigma e tornam a vida dessas pessoas cada vez mais difícil.


No Brasil a prostituição não é considerada um crime, conforme estabelece o código penal de 1940, assumindo dentro do ordenamento jurídico o perfil de país abolicionista, ou seja, o ato de exercer a prostituição não e criminalizado. Em contrapartida, aqueles que facilitam ou a favorecem, a exemplo dos cafetões ou donos de bordeis, devem ser punidos criminalmente.  Na prática, muitas mulheres são tomadas como delituosas; muitas vezes cerceadas em seus espaços de trabalho, como se estivessem infringindo leis. Quando não autuadas repressivamente, são invisibilizadas pela segurança pública e outras políticas de Estado.

Há cerca de 30 anos, profissionais do sexo se mobilizam em busca de direitos no Brasil. A organização começa pelo direito a segurança e a não repressão policial, além dos direitos básicos de cidadania, e avança para tentativas de regulamentação profissional, tendo como figura emblemática Gabriela Leite, pioneira na organização dos movimentos de prostitutas pelo país.

O ativismo ganhou força e representações ao longo dos anos, contando hoje com algumas vertentes, entre elas o “Putafeminismo”.

O putafeminismo pode ser descrito, basicamente, como um movimento que nasce a partir da ideia de que nós, mulheres trabalhadoras sexuais, podemos também ser feministas, combatendo o estigma sobre nós e fortalecendo a luta por direitos, sem que para isso precisemos abrir mão de nosso trabalho ou nos envergonhar dele. (Prada, 2018, P. 37).

É importante observar que não há unidade dentro do próprio movimento de profissionais do sexo em apoio à causa da regulamentação, bem como, não há também homogeneidade no movimento feminista. Enquanto alguns grupos são favoráveis às mudanças no estatuto legal da profissão, outras trabalhadoras sexuais, apoiadas pelo feminismo radical, a exemplo da Marcha Mundial das Mulheres, se colocam veemente contra a regulamentação, ancoradas na ideia de que em qualquer que seja a circunstância a prostituição se configura como uma forma de violência e exploração do corpo da mulher.

Em 2002 o Ministério do trabalho reconheceu através lista da Classificação Brasileira de ocupações – CBO, as/os “profissionais do sexo” sob a seguinte descrição sumária:

 Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.”

A inserção do trabalho sexual na CBO representou um avanço e aparentou ser a abertura para a conquista de legislações específicas para a categoria. Entretanto, pouco ou nada progrediu desde então, uma vez que o 4º projeto de lei que trata sobre a temática, do ano de 2012, de autoria do então Deputado Federal pelo PSOL, Jean Willis, construído com o apoio de Gabriela Leite e outras representações, encontra-se arquivado como os anteriores e sem perspectivas de debates na câmara.

Em meio à desassistência e apatia do poder público, organizações da sociedade civil, a exemplo dos projetos da Rede Oblata², tomam para si a responsabilidade de olhar para essa população, dando-lhes visibilidade e possibilitando-lhes o direito a existir no campo da cidadania.  

Dentre as unidades Oblatas no Brasil, destacamos a Pastoral da Mulher. A Instituição atua há 41 anos com mulheres que exercem a prostituição, em situação de pobreza e/ou vulnerabilidades sociais, na cidade de Juazeiro/BA. Suas ações objetivam a construção de um processo crítico e reflexivo junto ao público assistido, com vistas a possibilitar o seu empoderamento para o enfrentamento das violações de direitos vivenciadas em seus cotidianos de "batalha" na atividade prostitucional ou perante a condição de ser mulher.

Além do trabalho socioeducativo, a Pastoral também luta por Justiça Social através da articulação com órgãos públicos e não governamentais, buscando o enfrentamento do estigma social, que muitas vezes impede o acesso das prostitutas a direitos.

As mulheres assistidas pela instituição se caracterizam pela condição de pobreza, baixa escolaridade e consequentemente o pouco acesso aos direitos básicos de cidadania. Questões referentes à organização e luta por direto trabalhistas não são frequentemente levantadas pelas mesmas, que em sua maioria não reconhecem o trabalho sexual como uma profissão, mas como a única opção viável para o suprimento das necessidades básicas diante da ausência do estado.

Muito embora tenham sido galgados alguns avanços ao longo dos últimos anos em relação a prostituição, a exemplo da inserção enquanto profissão liberal na CBO; sobretudo frente aos debates de combate a opressão feminina e a desigualdade de gênero, o Estado ainda se mostra muito negligente com essa temática, tanto no campo legislativo, como na oferta de políticas públicas que apontem alternativas para aquelas que não desejam permanecer na atividade. Dentro dessa conjuntura, nós que fazemos a Rede Oblata continuamos comprometidas com a acolhida e a oferta de atendimento especializado às assistidas, enxergando-as enquanto sujeitos de diretos e corroborando para a melhoria da qualidade de suas vidas.




Notas:

1 – Graduada em Serviço Social pelo Centro universitário Unileão; atua como Assistente Social na Pastoral da Mulher – Unidade Oblata em Juazeiro/BA.

2 Rede Oblata é a organização dos projetos sociais do Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor no Brasil, que desenvolvem um trabalho social com mulheres que exercem a prostituição. Os projetos estão situados nas cidades de São Paulo-  SP (Projeto Antônia), Belo Horizonte -MG (Diálogos pela Liberdade), Salvador- BA (Força Feminina) e Juazeiro-BA (Pastoral da Mulher)


Referências:

PRADA, Monique. Putafeminista. São Paulo: Veneta, 2018.

Proposta pedagógica de acompanhamento às mulheres em Situação de Prostituição – São Paulo: Editora Nelpa, 2013.



Este post/artigo foi publicado em caráter de informação e pesquisa, e não representa totalmente o pensamento ou expressões usadas pelo Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil. Entendemos que é um conhecimento importante para uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista.





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