Manifestantes ocuparam uma via da avenida Paulista, na capital paulista, em protesto contra a violência sofrida por Luana Barbosa dos Reis, que faleceu em consequência de isquemia cerebral dias depois de ser agredida por policiais militares em Ribeirão Preto (SP)
Por Alê Alves (texto), especial para a Ponte Jornalismo
e Daniel Arroyo (fotos e vídeo)
e Daniel Arroyo (fotos e vídeo)
Na última terça (03/05), um grupo composto majoritariamente por mulheres negras protestaram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na avenida Paulista, em São Paulo, contra a morte de Luana Barbosa dos Reis, de 34 anos, por uma isquemia cerebral dias após ser espancada por três policiais militares na periferia de Ribeirão Preto, interior paulista.
“Me vejo nela”
Organizado por alguns coletivos dos movimentos negro, feminista e LGBT, o protesto durou cerca de duas horas. Com faixas e cartazes com inscrições “Luana, presente”, “Deixem-nos viver” e “Mulheres negras em marcha contra o racismo, machismo e genocídio”, os manifestantes saíram do Masp e caminharam até a porta do Itaú Cultural, na mesma avenida, onde o protesto foi encerrado por volta das 20 horas com uma roda de jongo e uma intervenção teatral do grupo “Levante Mulher”. Todo o trajeto foi acompanhado por policiais militares.
Segundo familiares entrevistados pela Ponte Jornalismo, na noite do dia 8 de abril Luana levava seu filho a um curso de informática no centro da cidade quando parou em frente a um bar para cumprimentar um amigo. Ao ser abordada por policiais militares que circulavam na área, Luana recebeu um soco e um chute ao perguntar por que estava sendo revistada, agressões que a fizeram cair no chão.
Na avenida Paulista, manifestantes pediram justiça para Luana Reis. Fotos: Daniel Arroyo
Ao se levantar, Luana desferiu um soco na boca de um policial e um chute no pé de outro, sendo então espancada pelos policiais militares Douglas Luiz de Paula, Fabio Donizetti Pultz e André Donizeti Camila com socos, chutes, cassetetes e o capacete que usava, ainda de acordo com familiares.
Levada para o 1º Distrito Policial de Ribeirão Preto, Luana estava com hematomas, semiconsciente e sem forças para permanecer em pé quando teve de assinar um TC (Termo Circunstanciado) registrado por desacato à autoridade e lesão corporal. “A letra da minha irmã parece a de uma criança, não tem nada a ver com a assinatura dela. Ela não conseguia ficar em pé, parecia o corpo de alguém que não tinha ossos”, disse Roseli, irmã de Luana. Após cinco dias internada, alguns dos quais em coma, Luana morreu por causa de uma isquemia cerebral causada por um traumatismo cranioencefálico.
Em 25 de abril, a Ouvidoria da Polícia Civil solicitou à Procuradoria Geral do Estado, ao IML (Instituto Médico Legal) e às polícias Civil e Militar informações sobre a morte de Luana Barbosa dos Reis. A Ponte solicitou entrevistas com os policiais e o comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, mas não obteve respostas.
“Me vejo nela”
Jéssica Rufino, de 26 anos, uma das presentes ao ato, diz ter sabido sobre a morte de Luana e o protesto pelas redes sociais. “Vim porque me vejo nela, sou negra, pobre e lésbica. Somos as desclassificadas da sociedade. Podia ter sido eu.” Ao ser perguntada se já foi abordada por policiais, Jéssica diz que “era enquadrada toda hora” quando usava dreads, há cerca de seis meses.
Micheli Moreira, integrante do grupo de negras da Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo, também participou do ato. Para ela, a morte de Luana não é um caso isolado e o protesto foi organizado para dar visibilidade ao que ocorreu. “Aqui na [avenida] Paulista tem segurança, mas nas periferias é bem diferente. Se não tiver cobertura, esse silêncio vai afetar na continuidade dessas mortes. São muitas mulheres negras e periféricas aqui, angustiadas com isso tudo e querendo mudar esse cenário de impunidade”, afirmou Micheli, moradora de São Matheus, na Zona Leste de São Paulo.
Para Ariane Oliveira, de 25 anos, moradora do mesmo distrito, Luana sofreu outro tipo de lesbofobia. “Ela sofreu uma outra violência por se vestir de forma mais masculinizada. Quiseram tratá-la como se fosse homem”, disse Ariane.
Outra participante da manifestação, Márcia Lúcia, de 48 anos, acredita que o ocorrido com Luana mostra “a situação das mulheres negras na periferia” e que o genocídio da população negra periférica “é um fato com permissão do governo”. “Somos um alvo. Estamos morrendo todo dia na banalidade. A gente imaginava estar vivendo num Estado Democrático de Direito, mas estamos vendo que não, que ele só existe no discurso, não na prática”, afirmou.
Fábio Pereira, estudante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Santos, disse que esse Estado “é para o uso de determinada classe, a que detém o poder”. Para ele, “não existe ressocialização no sistema prisional. Quem é preto e foi preso, carrega uma marca, fica preso para a vida toda. Como se não pudesse viver de novo”.
Angela França, de 38 anos, disse que “morreu um pouco” ao saber da morte de Luana. “Se ela fosse rica, até poderia ser abordada, por ser negra, mas não teria sofrido essa violência. Mas, em se tratando da periferia, não tem condições”. Ao relatar o preconceito que sofre, Angela diz que muitas transgêneras não tiveram “a coragem ou o prazer” de estarem no ato. “Elas não saem de casa, não vão para a escola. De modo geral, a maioria das pessoas me olha e acha que eu vivo da prostituição e não de um trabalho legalizado.”
Uma caminhada em memória de Luana em Ribeirão Preto, ainda sem data definida, está sendo organizada por grupos de lésbicas e bissexuais.
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