Mesmo em um grupo risco, as mulheres negras são preteridas e sofrem mais agressões
Do alto de um salto, o olhar amedrontado via um velho Chevrolet verde chegar para oferecer mais do que era esperado. Para a menina de 16 anos que havia fugido de casa, R$ 50 podia representar a solução de seus problemas. A adolescente sentou no banco do passageiro do carro e seguiu para seu primeiro programa. Foi inesquecível, da maneira mais negativa possível.
“Íamos por um caminho esquisito. De repente, ele puxou uma arma e apontou para mim. Urinei na roupa de tanto medo e minha única reação foi destrancar a porta e me jogar na pista”, lembrou. De acordo com pesquisa da UFPE, as prostitutas negras como Renata*, hoje com 21 anos, são agredidas com mais frequência que as brancas.
Exclusão da mulher negra ocorre em várias situações, afirma MNU
As negras são preteridas mesmo num grupo em que todas vivem em situação de risco. Precisam trabalhar mais e permanecem por mais tempo no meio do que as brancas. É o que afirma a doutoranda em Sociologia, Alyne Nunes, responsável pelo estudo. “A rua muitas vezes não é uma opção, mas um destino. Muitas tentam trabalhar em outros lugares. Mas, enquanto negras, sofrem discriminação e não têm outra forma de se sustentar”, revelou Nunes. No Recife, acrescenta, há duas grandes áreas de prostituição: o Centro da Cidade, com clientes que pagam a partir de R$ 20 por programa, e a Zona Sul, onde as meninas cobram até R$ 150.
Segundo Alyne, o perfil das prostitutas varia de acordo com seus locais de trabalho. “A cor da pele importa mais que o tipo físico para os brasileiros, principal público desse tipo de serviço. Quem pode pagar mais, como o cliente de Boa Viagem, escolhe as brancas.” Ainda de acordo com ela, as negras acabam migrando de ponto com o passar do tempo. “As poucas que trabalham nos bairros nobres são jovens. O problema é que a prostituição é uma atividade que degrada muito e, quando envelhecem, não são mais procuradas. Para se manter, vão onde há um público menos exigente.”
Samantha Close trabalha em Boa Viagem há um ano
Inserção
Presidente da Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo (APPS), Nancy Feijó, constata que são vários os motivos para a inserção na prostituição. “Muitas são pobres, tem a família desestruturada e sofrem violências durante a juventude. Algumas vêm do Interior tentar uma vida melhor e usam a prostituição para pagar a faculdade. Outras são de classe média ou alta, mas entram no mercado, após uma desilusão amorosa, como no meu caso”.
Nancy tem 58 anos e atua como acompanhante há 40 anos. De acordo com ela, as negras têm mesmo mais dificuldades. “As mulheres negras apanham mais e têm menos chances de fazer cirurgias plásticas e frequentar academias de ginástica”, comenta.
Para o psicólogo, Sylvio Ferreira, muitos fatores podem levar as mulheres à prostituição, mas um em especial chama atenção. “Toda menina espera que o pai derrame sobre ela um olhar de valorização e afeto. Quando isso não acontece, numa situação de violência doméstica, por exemplo, a menina pode buscar fora de casa esse afeto que lhe falta e recorrer à prostituição”, analisa. Para ele, o fator racial ainda é uma realidade no Brasil.
No meio há menos de um ano, a travesti negra, Samantha Close, que fica na avenida Domingos Ferreira em Boa Viagem falou sobre a região onde trabalha. “Aqui, tem muito empresário rico que procura o serviço, mas a maioria das mulheres é branca”, afirma.
Vulnerabilidade
Toda discriminação pode aumentar o grau de vulnerabilidade de uma classe. De acordo com coordenador de DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde, François Figueiroa, é importante zelar pelos direitos humanos a fim de diminuir o preconceito e os estigmas na sociedade. Quanto mais preconceito, mais excluídos e mais chances de adquirir problemas provenientes de falta de informação. “Temos um convênio com a APPS. Há dois anos, ela recebeu R$ 50 mil reais para ações conscientizadoras”, explicou. Em 2015, o Ministério da Saúde destinou à mesma associação outros R$ 50 mil para testes rápidos de diágnostico de DSTs nas ruas da RMR.
Direitos no limite
Encarar a prostituição como uma profissão é uma das principais reivindicações de ativistas do assunto. Vice-Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Edna Jatobá é enfática. “Como qualquer outra, precisamos tratar o trabalho com a devida seriedade. Devem-se garantir todos os direitos, inclusive salário adequado”, afirmou.
A militante fala sobre a linha que divide o serviço do assédio sexual. “É preciso normatizar a profissão, mas repudiar a exploração. Não existe prostituição para menores de idade. Nesses casos, o que acontece é crime”, explicou. “Em relação à prostituição de adultos o que difere é o consentimento. Para elas é sempre necessária a permissão do ato. Os cafetões também não devem existir”.
Edna citou ainda alguns dos direitos que são garantidos às profissionais do sexo. “Elas podem participar de associações e é preciso destacar que casas de prostituição são ilegais. Além disso, a atividade do cafetão é considerada crime de rufianismo, previsto no Código Penal Brasileiro. Ninguém pode ganhar dinheiro em cima da prostituição de outras pessoas”, finaliza.
Fonte: Folha de Pernambuco
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