Como toda data específica para comemoração e análise de uma temática social, o Dia da Consciência Negra tem a sua relevância para revelar ao sistema toda a luta do povo negro para garantir seu espaço na sociedade. O dia faz menção à morte de Zumbi dos Palmares, que morreu em luta pela liberdade do povo negro. O espaço para este povo já foi negado há muito tempo, sendo que a abolição da escravatura não foi suficiente para esta conquista libertária. Todos os avanços relacionados com a posição do povo negro, dentro ou não de forças políticas, foram resultados de seu próprio trabalho e mobilizações.
Porém, muitas dessas conquistas incomodam o senso comum, sendo que muitas pessoas desvalorizam as lutas dos(as) negros(as), argumentando que estes(as) já conseguiram o suficiente, e que portanto não há do que reclamar. Ou então, consideram os(as) negros(as) como pessoas ingênuas e facilmente manipuladas por organizações políticas. O racismo ainda está presente e contextualiza os espaços das universidades, da mídia, dos livros literários… Mas, pelo que parece, há situações em que os(as) negros(as) não têm o apoio em suas lutas nem mesmo de movimentos sociais. Pelo contrário, nota-se, já há algum tempo, a presença de “militantes” que estão do lado do(a) agente opressor(a), algo bastante contraditório. E isto faz com que o Movimento Social Negro tenha que agir com mais empenho, para enfrentar este inimigo mascarado.
Todo este incômodo provocado pela ascensão do povo negro faz parecer que suas atitudes estão sendo vigiadas, com o objetivo de encontrar um vacilo, pequeno que seja, para argumentar que sua conquista foi pautada em ações que ofuscam a luta dos(as) próprios(as) negros(as). Um exemplo recente é o caso do ministro Joaquim Barbosa, que, devido ao fato de se destacar no caso mensalão, está sendo alvo de críticas de alguns militantes. Estes as justificam afirmando que Barbosa pretende, devido à sua ênfase no famoso caso, se candidatar por algum partido oportunista, fato que ele mesmo negou.
Neste escrito, serão pontuadas quatro áreas nas quais os(as) negros(as) estão conquistando e fazendo valer sua identidade, mas que devem ser analisadas, para que o caminho não seja vencido pelo conformismo.
Mercado de trabalho
O ambiente de trabalho um lugar comum onde se concentram atitudes que remetem ao racismo. Devido às hierarquias dentro destes espaços, é comum pessoas negras ocupando funções de subordinados, mesmo tendo capacidade e escolaridade para assumir um cargo de liderança. É nisto que se insere a desigualdade por oportunidade. A inserção no mercado de trabalho para os(as) negros(as) enfrenta a dificuldade dentro de processos seletivos onde um dos requisitos para a aprovação do futuro funcionário de uma organização é a cor da pele.
Dentro desta problemática, existe o caso das mulheres negras, que são vítimas da dupla opressão, como exposto em Lideranças Negras: diferenças entre gêneros. O espaço para elas é concorrido não somente por brancos(as), mas também pelos homens negros.
Considerada como inferior, a população negra carrega a discriminação, pois a questão racial determina a participação no mercado de trabalho, e a diferenciação entre os(as) colaboradores(as) de uma empresa.
A ascensão do povo negro nesta área está acontecendo, mesmo que de forma lenta. Encontram-se representantes da origem negra destacando-se dentro de organizações, mas para chegar nesta conquista muita determinação e trabalho foram necessários. O preparo para a entrada e permanência no mercado de trabalho é, para a população negra, uma grande batalha.
Os(as) negros(as) na mídia
Na mídia, as pessoas negras também vêm conquistando seu espaço. Telejornais vêm enriquecendo seu quadro de funcionários(as) com a contratação de jornalistas negros(as).
Nas telenovelas, comerciais e séries, negras e negros estão começando a se fazerem representar por personagens que os(as) valorizem. Ainda que vagarosamente, não cabe mais apenas aos(as) negros(as) os papéis de coadjuvantes minúsculos dentro de toda uma obra. Também suas personagens assumem outras profissões além daquelas consideradas operacionais. Neste parâmetro, pode-se afirmar que há uma influência norte-americana, onde os(as) negros(as) seguiram na frente na valorização de sua identidade.
A cultura do povo negro, sua religião e danças também estão sendo focadas na mídia com o objetivo de acabar com o preconceito existente.
Porém, a mídia ainda peca na apresentação de algumas personagens na televisão. Atores e atrizes negras, não raramente, são ofendidos(as), por suas características físicas ou por representarem uma personagem que tenha um comportamento considerado “inadequado”. Algumas personagens do humor ridicularizam os(as) negros(as), focando em estereótipos de uma caricatura bizarra, enfatizando que pessoas negras ganham destaque apenas para divertir as demais.
As mulheres negras conseguiram se fazer representar na TV, mas para tal façanha, a mídia teve que se apropriar da imagem de negras belas, altas e magras, ou de sua objetificação. Ou então, se faz um perfil ofensivo das características físicas das mulheres negras, enfatizando que não se encontram dentro dos padrões de beleza aceitáveis pelo senso comum.
Arte e crítica social
Com grande influência da Black Music norte-americana, a música negra no Brasil vem ganhando destaque, sendo que a própria música da periferia está sendo mais valorizada. O blues e o jazz são clássicos da música negra que já estão reconhecidos pelos intelectuais. Mas a voz do povo, representado pelo samba, funk, hip hop e rap é um grito da periferia, da nossa cultura. Há muito preconceito pelo funk carioca pelo desconhecimento das origens estilo musical. Longe dos ataques machistas que se pode observar nas músicas atuais, o funk surgiu como uma forma de manifestar a opressão sofrida pelos(as) negros(as) e que, apesar desta situação, continuam na luta e se valorizam. O resgate desta proposta do funk deve voltar com toda força, juntamente com a alegria de quem realiza sua dança.
Hoje, esta crítica social está presente no hip hop e no rap, inclusive com compositoras e interpretes do gênero feminino. Há iniciativas como o Hip Hop Mulher e o Mulheres no Hip Hop. As meninas se utilizam da música para também soltar seu grito da necessidade de ter os mesmos direitos dos meninos. O Brasil tem uma forte influência da postura de outros países na composição de músicas que remetem às origens da música negra e às críticas à temática social.
Representações artísticas que remetem ao cotidiano africano também começam a serem vistos de forma mais aceitáveis. Os(as) africanos(as) trouxeram para o Brasil maravilhas de sua cultura, que durante muito tempo foram marginalizadas. A Congada, que trata das lutas de reinados africanos, é um exemplo de resgate da cultura afro e da lembrança de que antes de escravos, eram reis em seus países.
O acesso à Universidade
Não se pode negar que o aumento do número de negros(as) na universidade é uma conquista. E um dos principais protagonistas para este resultado é sistema de cotas raciais. Com toda a polêmica sobre o assunto, não cabe aqui afirmar o que é certo ou errado, mas sim analisar alguns parâmetros não focados nem mesmo pelo universo negro.
Torna-se necessário saber quais negros as cotas raciais irão atingir, sua família, sua situação social, seu contexto de vida. Quanto a isto, há uma pergunta a fazer: Será que o(a) jovem negro(a) que vive no contexto das favelas é atingido por esta conquista? Este(a) jovem, por falta de oportunidades por ser vítima da situação da desigualdade social e racial, vivem às voltas em um mundo onde pouco espaço se dá ao ingresso na Universidade. Ou seja, não raramente, a universidade para ele(a) está muito aquém da realidade. O fato de aparecerem jovens que não têm o mínimo de estudos para fazer o vestibular é mais um item que denuncia os limites das cotas raciais. O que falta é o apoio aos estudos destes(as) jovens ainda no ensino básico, pois desta forma, para uma determinada parcela da população negra, as cotas raciais ainda não quitam a tão falada dívida com os(as) negros(as).
Pode-se considerar outra justificativa para as cotas raciais: desde crianças, os(as) negros(as) são discriminados nas salas de aula, o que pode prejudicar seus estudos. Mas outra problemática é que, entrando na universidade, a opressão continua e não é difícil ver casos de brancos(as) favoráveis às cotas não ficarem do lado dos(as) negros, mas sim das pessoas que os discriminam e os oprimem, justificando esta incoerência com alguma visão política banal.
Na verdade, o sistema de cotas raciais pode ser considerado um avanço para a inserção de negros(as) nas universidades, mas é limitante. E assim como toda política favorável às cotas, mascara um preconceito vigente e retarda uma política mais eficiente, como melhorias significativas no plano educacional.
As cotas podem ser um avanço para mim, menina negra que, apesar de morar em bairro de periferia, tive a oportunidade de estudar e todo o apoio de minha família. Minha vida nunca foi sem expectativas. Mas, para vários conhecidos negros(as), que foram assassinados ou presos, a realidade é outra. Muitos(as) acreditam que nem mesmo assim terão chances, porque consideram que sua vida não faz parte deste mundo de “playboy”.
A conquista da identidade
As conquistas do povo negro e a valorização de sua identidade caminham juntas, mas são os(as) próprios(as) negros(as) que podem se deixar enganar. Até mesmo militantes do Movimento Negro deixam se entorpecer por meias conquistas, se convencendo que é pouco, mas que “é melhor do que nada”. Ainda há muito que lutar e não deixar que organizações oportunistas se apropriem das causas negras. O conformismo é um grande vilão na militância pelo reconhecimento dos direitos do povo.
O que interessa para a militância é sempre ter a pretensão de conquistas maiores. É ser mais “negro fujão” e menos “nego pai João”.
Fonte: http://blogueirasfeministas.com/2012/11/as-conquistas-do-povo-negro-e-a-valorizacao-de-sua-identidade/
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