Claudia Zerati, Mizaelly Mirelly, Nathalia Aparecida e Celina Moura, mortas nos últimos dias em SP |
O Estado de São Paulo registra um caso de feminicídio a cada quatro dias, mostram dados da Secretaria da Segurança Pública obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
Os números se referem aos boletins de ocorrência do primeiro semestre de 2017, quando foram notificadas 46 ocorrências, e mostram um retrato inédito da implementação da legislação no Estado.
Sancionada em 2015, a lei federal que define o feminicídio transformou em hediondo o assassinato de mulheres motivado justamente por sua condição de mulher. Ela aumenta a pena por homicídio, que é de 6 a 20 anos de prisão, para 12 a 30 anos.
Os dados sobre esse tipo de crime vêm à tona após uma sequência de assassinatos de mulheres no Estado –nos últimos dois dias, ocorreram ao menos quatro casos.
O registro das mortes de mulheres como feminicídio no boletim de ocorrência depende do entendimento da polícia sobre as circunstâncias de cada um dos crimes.
Enquadram-se na lei os homicídios em que as circunstâncias envolvem "violência doméstica e familiar" e "menosprezo ou discriminação à condição da mulher".
De janeiro de 2015 a junho de 2017, foram classificados dessa forma 142 casos no Estado de São Paulo. Se forem considerados também os casos de tentativa, em que o agressor não conseguiu matar a mulher, o número de registros salta para 417.
Entre as mortes consumadas, a maioria das vítimas tinha entre 18 e 25 anos ou estava na casa dos 30 anos, e mais da metade era branca.
A residência foi o local de morte de 63% dessas mulheres, dado que é coerente com o de outros levantamentos. "Embora os homens sejam maioria entre os casos de homicídio, são elas que vivem maior risco dentro de casa, onde deveriam estar protegidas", diz Sinara Gumieri, advogada e pesquisadora do Anis - Instituto de Bioética, que faz estudos sobre o tema.
Em relação à localização no Estado, os dados da Secretaria da Segurança Pública da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) mostram que a Grande São Paulo foi a região que teve mais registros desde 2015: 40, superando a capital, que teve um total de 27.
*Dados calculados a partir do total de 142 casos consumados no período (jan.2015 a jun.2017)
RETRATO NACIONAL
Tudo indica que, no país como um todo, o quadro do feminicídio é ainda pior. Uma pesquisa do Ipea que estimou o número de ocorrências com base nos registros de saúde de 2009 a 2011 indicou que São Paulo tinha a terceira menor taxa do Brasil –3,2 a cada 100 mil mulheres, contra 11,2 do Espírito Santo, que lidera o ranking nacional.
Ainda assim, o retrato fornecido pelo governo paulista, de um feminicídio a cada quatro dias, é aterrador para a representante da ONU Mulheres no país, Nadine Gasman.
"É um número enorme", diz. "Sofrer violência é uma preocupação cotidiana das mulheres brasileiras. Elas têm medo de sair na rua e medo dos parceiros."
A situação seria inaceitável mesmo se só tivesse ocorrido um caso, afirma Maria Laura Canineu, diretora do escritório no Brasil da Humans Rights Watch. "Não deveria nunca se aceitar que uma mulher seja vítima de uma violência fatal", diz.
"São crimes que ocorrem em todas as classes socioeconômicas, em todas as idades e em todas as cores. Entre os casos recentes de São Paulo, há o de uma juíza e o de uma moradora da periferia."
Segundo Alice Bianchini, da comissão da Mulher Advogada da OAB, só será possível ter um quadro claro das estatísticas de feminicídio daqui a algum tempo, à medida que os casos forem julgados, uma vez que a classificação no boletim de ocorrência pode mudar de acordo com entendimento da Promotoria e do Tribunal do Júri.
Ainda assim, diz, o registro como feminicídio traz consequências imediatas ao agressor, como a impossibilidade de ser solto após pagamento de fiança, uma vez que se trata de crime hediondo. "A lei não veio para diminuir a prática do crime, mas para punir melhor. Mas pode ter algum efeito ao ampliar a visibilidade do problema", afirma.
Para Sinara, do Anis, além da notificação, o país precisa avançar com ações concretas, como garantir proteção às mulheres que denunciam, melhorar a formação policial e promover discussões sobre gênero nas escolas. "Será frustrante se a discussão se resumir à lei e à nomenclatura."
Em nota, a secretaria da Segurança de SP afirmou que o Estado conta com 133 Delegacias de Defesa da Mulher –36% das unidades do país. Disse ainda que a Polícia Civil solicitou 4.130 medidas protetivas até junho deste ano, aumento de 37% em relação ao mesmo período de 2016.
Colaborou PAULO GOMES
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