quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Mulheres dispensam anticoncepcional devido a risco de reações

Apesar da tendência, médicos minimizam perigo e chamam atenção para importância de avaliar cada caso

 
POR PAULA FERREIRA, do O Globo 
 
Carolina, Fernanda, Júlia, Lara, Larissa e Viviane são jovens de 19 a 26 anos que compartilham uma decisão importante: todas escolheram parar de tomar pílulas anticoncepcionais. Elas aderiram a um movimento de mulheres que estão deixando de lado esse método contraceptivo devido ao temor ou à insatisfação em relação a possíveis efeitos colaterais associados ao remédio, como redução de libido, alterações de humor e, em casos raros, trombose venosa. A decisão, porém, é vista com cautela por médicos, para quem os riscos são pequenos e, por isso, devem ser avaliados individualmente. Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que os benefícios da pílula são, de modo geral, maiores que eventuais efeitos negativos. Na opinião deles, as reações adversas ocorrem quando falta orientação médica.
 
— Pesquisei muito sobre os efeitos a longo prazo do uso do anticoncepcional e vi o perigo que estava correndo por tomá-lo há 11 anos ininterruptamente. Além da trombose, li artigos sobre a desordem que hormônios sintéticos podem causar no corpo. E alguns sintomas como inchaço, diminuição de libido e aumento de peso estavam me incomodando muito ultimamente— conta Viviane Oliveira, de 26 anos.
 
Embora tenha até indicação para o uso do remédio, já que sofre com a síndrome do ovário policístico (SOP), a publicitária, que tomava pílula desde os 15 anos, decidiu procurar outros métodos contraceptivos:
 
— O ginecologista tentou me fazer desistir, por causa da síndrome, mas resolvi parar mesmo. Agora vou me acompanhar com a endocrinologista pra tratar esse meu problema. Atualmente uso só camisinha, mas vou colocar o DIU de cobre. Parei (com o remédio) tem pouco tempo, mas de cara já senti diferença.
 
RELATO NA INTERNET SE TORNOU VIRAL
 
De acordo com dados de 2014 da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 100 milhões de mulheres usam pílulas anticoncepcionais em todo o mundo. No Brasil, cerca de 27% das mulheres em idade fértil utilizam este método contraceptivo.
 
Os exemplos de meninas que deixam o medicamento se tornam mais recorrentes após relatos como o de Juliana Bardella, que teve um quadro de trombose venosa cerebral supostamente associado ao medicamento e contou seu drama no Facebook. Seu post teve mais de 74 mil compartilhamentos, 179 mil comentários e virou matéria em diferentes sites de notícias do país.
 
— Procurei opções, mas nenhum médico me falou sobre outros métodos. É muito difícil um médico te dar outra opção de contracepção. E eles não alertam sobre os perigos da pílula — diz Juliana, em entrevista ao GLOBO. — A pílula é uma coisa boa, mas as pessoas precisam ser alertadas sobre os riscos. Eu não fui avisada que se tivesse uma dor estranha na perna ou dor de cabeça, deveria ir ao médico.
 
Estudo publicado na revista científica “British Medical Journal” ano passado reforça a relação entre anticoncepcionais orais e ocorrência de tromboembolismo venoso (TEV). A pesquisa da Universidade de Nottingham, Reino Unido, demonstra que as pílulas mais novas que contêm tipos recentes de hormônios progestágenos (drospirenona, desogestrel, gestodeno e ciproterona) trazem mais risco de coágulos. Ainda segundo o relatório, as mulheres que usam contraceptivos orais combinados estão mais sujeitas a tromboses do que aquelas que não tomam pílula. A chance de desenvolver o problema pode ser até 2,5 vezes maior entre as que usam as pílulas mais antigas (compostas por levonorgestrel, a noretisterona, e norgestimato) e de quatro vezes superior entre as que tomam os comprimidos mais recentes.
 
A explicação é que o hormônio presente nos anticoncepcionais pode reagir com proteínas relacionadas à coagulação, o que contribuiria para a formação dos trombos. Nas palavras do presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro (SBACV-RJ), Carlos Peixoto, é como se as pílulas “engrossassem o sangue”, favorecendo o entupimento de veias.
 
— Muitas meninas passam a usar o anticoncepcional na adolescência e correm riscos, uma vez que grande parte dessas pacientes adere à pílula sem uma consulta médica. É como se o anticoncepcional engrossasse o sangue, o que propicia a formação de coágulos — explica Peixoto. — Por isso é importante a orientação do médico, que deve pesquisar o histórico da paciente para receitar o remédio. Ver se há casos de trombose na família, por exemplo. Mas, em geral, os benefícios (da pílula) são bem maiores que o risco de malefícios.
 
Os números da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que os registros de problema são raros. Segundo os dados, de 2011 a junho deste ano foram notificados 267 casos de reações adversas relacionadas ao uso de anticoncepcionais. Desses, 177 foram ocorrências graves, como trombose, embolia pulmonar, acidentes vasculares cerebrais, entre outros. Nesses cinco anos, foram registrados quatro mortes relacionadas ao uso do medicamento. Na semana passada, a Anvisa emitiu uma nota afirmando que os anticoncepcionais só devem ser vendidos sob prescrição médica. E ressalta que devem ser feitos exames clínicos em mamas, fígado, extremidades e órgãos pélvicos, além do Papanicolau e da aferição de pressão antes da prescrição do remédio. Há exames genéticos capazes de detectar predisposição à trombose.
 
Outros efeitos também colocam as pílulas na berlinda. São comuns as reclamações de perda de libido, ganho de peso e mudanças abruptas de humor.
 
— Na adolescência, eu sentia muito tesão, mas quando iniciei minha vida sexual sentia pouco ou quase nada de prazer. Não era só sem graça, era ruim. Comecei a notar varizes pelo corpo, pesquisei e liguei os pontos. Não volto para pílula de jeito nenhum, gosto muito mais da minha libido — conta Lara Campelo, que parou com o anticoncepcional há um ano e meio.
 
Para a ginecologista Cláudia Jacyntho, doutora pela Unicamp, no caso de sintomas como os de Lara, e os demais relacionados ao ganho de peso e alteração de humor, as pacientes podem conversar com seus médicos e mudar de pílula:
 
— Mudamos o componente da pílula para se adequar melhor à paciente. Já quando há um risco real para a saúde, como no caso de pacientes obesas, fumantes ou com histórico familiar de risco, oferecemos outros métodos contraceptivos. Em geral, o risco (de trombose) é pequeno. É mais fácil morrer atropelada, que por uma complicação dessa. O indicado é ir ao médico antes de tomar pílula para que ele possa alertar sobre sintomas como dor de cabeça, tonteira, dor na batata da perna.
Entre os métodos que não utilizam hormônios, as mulheres podem recorrer, por exemplo, às camisinhas masculinas e feminina e ao diafragma, entre outros.
 
Cláudia manifesta preocupação de que uma demonização dos anticoncepcionais aumente o índice de gestações indesejadas num país como o Brasil, onde o aborto é ilegal.
 
— É perigosíssima a viralização de que a pílula é um mal, pois esse é o método mais utilizado pelas adolescentes, por exemplo. Temo que essas meninas parem de tomar e que isso aumente o índice de gravidez na adolescência, uma grande causa de mortalidade materna no Brasil. Em um país onde o abortamento não é liberado, muitas mulheres que têm uma gravidez indesejada acabam se submetendo a métodos arriscados para interrupção, com complicações — analisa.

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