sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Rio 2016 não está sendo rentável para a prostituição


O mito da alta procura por serviços sexuais em época de grandes eventos caiu por terra durante as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Boa parte das prostitutas que investiram em anúncios em grandes sites e cursos intensivos de inglês está amargando um belo dum prejuízo, nos diz Giovana, profissional que preferiu identificar somente seu primeiro nome.
 
Por Amara Moira e Monique Prada*
Prostituição, afirma a acompanhante de luxo M., precisa de rotina para ser rentável. Os megaeventos, no entanto, deixam tudo de cabeça para baixo. Feriados e rotina confusa para o cliente local, carta branca à violência policial, os pontos famosos de prostituição mudando de lugar ou falindo, prostitutas perdendo seus espaços de trabalho, o idioma impedindo que o cliente estrangeiro encontre informações pela internet ou se entenda com a prostituta pelo telefone.
M. nos fala também que o perfil do cliente que procura por serviços sexuais durante as Olimpíadas não costuma vir atrás de serviço sexual especializado, sofisticado, mas sim de fazer baderna e farra - seja em espaços de prostituição, seja em baladas ‘civis’ -,  o que frustrou bastante as expectativas que alimentava ao criar uma versão em inglês do seu site e fazer um curso intensivo desse idioma para se comunicar melhor com os turistas.
 
Para completar o cenário desolador da prostituição nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ainda temos os aplicativos de pegação funcionando a pleno vapor. Eis aí uma ferramenta que a maioria das prostitutas ainda não conseguiu usar para divulgação dos seus serviços e habilidades.
As poucas que se arriscam a usar os aplicativos a trabalho frequentemente são denunciadas e têm seus perfis desativados. Os autores das denúncias são sempre homens: afinal, é mais vantajoso para eles ter um catálogo de mulheres que façam sexo casual sem cobrar. Ainda mais quando tantas delas, como no Brasil, têm fetiche por estrangeiros. Mesmo assim, há perfis masculinos oferecendo dinheiro em troca de sexo - em alguns casos, perfis administrados por agências de acompanhantes em busca de novidades para incluir em seu catálogo.
 
As prostitutas acabaram por aprender aquilo que é conhecimento comum de quase toda moça que trabalha com serviços sexuais nas webcans, as camgirls: hora de jogo importante é hora de ficar offline. Motivo? A baixa procura por sexo online naquele momento, como explica uma camgirl que preferiu não se identificar, pode acabar te prejudicando e fazendo com que seu nome deixe de aparecer na lista das mais acessadas.
 
Homem é criado para gostar de competição, o tempo todo se testando, pondo amizade em risco para não perder no futebol, no videogame, no baralho, no par ou ímpar... e que melhor lugar do que nos esportes para levarem isso ao limite? Os pontos de prostituição importantes de qualquer cidade no Brasil durante jogos são a prova viva.
 
Quando o assunto é Copa do Mundo ou Olimpíadas, a coisa fica ainda mais complicada. Antes de mais nada, se o turista tem grana para pagar os preços altíssimos praticados durante esses megaeventos, não é pela prostituição a preços módicos que ele vai se interessar. Desta ele tem até medo, pois sabe o que significa ser lido como "gringo" (e, logo, como "rico") num país assolado pela pobreza.
 
O governo, ciente desse desconforto, dá carta branca à polícia para tocar suas políticas de "higienização" dos centros urbanos e pontos turísticos, o que, na prática, significa expulsar moradores de rua e prostitutas para áreas menos acessadas.
 
A antropóloga Natânia Lopes lembra um fato importante: é difícil competir com o dinheiro estrangeiro em tempos de crise. Em busca de dólares e euros, diversos proprietários de hotéis e flats cancelam seus contratos com prostitutas para poderem alugá-los a preços mais elevados para os turistas.
 
As reclamações frequentes de prostitutas sobre os baixos ganhos percebidos durante os megaeventos esportivos no Brasil nos fazem ver com outros olhos a questão do turismo sexual por essas bandas: muito barulho para pouca prática. O desejo de encontrar num destes megaeventos o homem dos sonhos, que se transforme em marido ideal e a leve para longe, parece seguir sendo o mais alimentado - tanto dentre prostitutas quanto no imaginário de mulheres que não cobram diretamente por sexo.
* Amara Moira é colunista da Revista AzMina e autora do livro “E se eu fosse puta?”. É travesti, prostituta e feminista. Militante dos direitos de LGBTs e de profissionais do sexo, ainda faz doutorado em teoria literária pela Unicamp.
 
* Monique Prada é mãe, trabalhadora sexual e feminista. Atualmente é presidenta da CUTS - Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais, e co-editora do projeto MundoInvisivel.org.

Fonte: Portal UOL

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